TEMPO COMO VERBO

EXPOSIÇÃO VIRTUAL

O Tempo como Verbo é uma exposição que ocorre em galeria virtual imersiva, com fotografias, vídeos e esculturas que trazem reflexões sobre as multifacetadas dimensões do tempo, por sete artistas: Túlio Pinto, Dirnei Prates, Ío, Andressa Cantergiani, Bruno Borne, André Severo e Virgínia di Lauro. Com curadoria de Laura Cattani, em parceria com Munir Klamt.

A exposição “Tempo como Verbo” traz também uma reflexão sobre o meio virtual como um espaço em que as regras do mundo físico não precisam ser aplicadas. Partindo dos paradoxos visuais de Maurits Cornelis Escher, a galeria rompe com a perspectiva, a gravidade e a continuidade espaço-tempo para interligar as obras em um fluxo contínuo, como em um Torus.

GALERIA VIRTUAL

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ARTISTAS

Túlio Pinto

Formado em artes visuais com ênfase em escultura pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2009). Entre suas exposições destacam-se Momentum (Museu de Arte do Rio Grande do Sul – Porto Alegre – RS – Brasil); Land Line (Museo Diocesano de Veneza – Veneza-Itália, 2019); Ground Control (Humo Gallery, Zurich, Suiça, 2017); Bienal de Vancouver (Canadá, 2014); De Territórios, Abismos e Intenções (Projeto RS Contemporâneo – Santander Cultural Porto Alegre, Porto Alegre, 2013).

Dirnei Prates

Utiliza apropriações em seus trabalhos em vídeo e fotografia, procurando nestas imagens, absorvidas quase sempre do seu entorno imediato, alguns padrões que evidenciem suas contradições, suas possibilidades de subleituras e interpretações pessoais. Desde 2006, atua no coletivo “Cine Água” em parceria com o artista Nelton Pellenz.
Representado pela galeria Gestual
Vive e trabalha em Porto Alegre

Virgínia di Lauro

Reside em Porto Alegre desde 2011, onde estuda e trabalha. É graduanda do Bacharelado em Artes Visuais na UFRGS. Sua poética visual se volta à corporeidade, desdobrando questões que atravessam internamente-externamente, perpassando os sonhos, as memórias, o emocional, as repetições e as modificações. Mutações, vazios e, sobretudo, o caos. Desdobra seu trabalho em diferentes suportes, como fotografia, pintura, interferências fotográficas manuais/digitais e vídeo.

Ío

Ío é o duo de artistas formado em 2003 por Laura Cattani e Munir Klamt. Sua poética oscila entre Eros e Tânato, as obras nascem de reflexões abarcando diversas áreas e tomam forma por meio de desenhos, fotografias, vídeos e instalações com materiais simbólicos. Expôs em diversas cidades do Brasil, bem como Uruguai, Argentina e França.

Andressa Cantergiani

Vive entre Berlin e Porto Alegre, é doutoranda em Poéticas Visuais pelo PPGAV-UFRGS, mestre em Comunicação e Semiótica pela PUC/SP. Graduada em Artes Cênicas pelo DAD/UFRGS. Estudou Performance na UDK- Universidade das Artes em Berlin. Doutorado Sanduíche University of Applied Sciences and Arts- Hoschulle Hanôver – Alemanha. Artista representada da Galeria Mamute, Porto Alegre-Brasil. Gestora da BRONZE Residência.

Bruno Borne

Artista Visual e Arquiteto. Trabalha principalmente com videoinstalações conectando arquitetura, obra e espectador através de computação gráfica. É doutorando em Poéticas Visuais pelo PPGAV UFRGS. Em 2014 recebeu prêmio aquisição no 43º Salão Paranaense. Em 2013 premiado no 2ª Prêmio IEAVI/RS. Em 2020 recebeu o XIII Prêmio Açorianos de Artes Plásticas na categoria Destaque Exposição Individual. Tem obras nos acervos públicos do MAC-PR, MAC-RS e das prefeituras de Porto Alegre e Santo André.

André Severo

Mestre em poéticas visuais pela UFRGS. Realizou mais de uma dezena de filmes e instalações e publicou, entre outros, os livros Consciência errante, Soma e Deriva de sentidos. Co-criador de projetos como Areal, Dois Vazios e Lomba Alta, foi curador da 30ª Bienal de São Paulo e da representação brasileira na 55ª Bienal de Veneza. Atualmente é coordenador geral do Farol Santander Porto Alegre.

CURADORES

Laura Cattani é artista, curadora e pesquisadora em Arte Contemporânea. É Doutora em Poéticas Visuais pelo PPGAV/UFRGS, professora de artes na Universidade Federal de Pelotas e realiza pós-doutorado no PPGAV da UnB. É criadora do Instituto Cultural Torus, curadora da Galeria Maria Lucia Cattani, colaboradora na galeria A Sala e membro do colegiado de artes visuais do Rio Grande do Sul. Curadora adjunta da 13ª Bienal do Mercosul.

Munir Klamt é artista, curador e pesquisador em Arte Contemporânea. É doutor em Poéticas Visuais pelo PPGAV/UFRGS com Pós-Doutorado na UnB, professor do Instituto de Artes da UFRGS na área de Arte e Tecnologia. Compõe o comitê curatorial do MARGS. Curador adjunto da 13ª Bienal do Mercosul.

Falar sobre o tempo é conjurar a sombra de um objeto ausente

Embora nos pareça algo óbvio, absolutamente banal e simples, basta tentar defini-lo para percebermos o quanto o conceito de tempo é escorregadio. Frequentemente nos referimos apenas aos instrumentos de medição do tempo, como as horas, os ciclos naturais (como as órbitas, as marés ou as estações), ou mesmo os éons geológicos, que são medidas ou eventos que aderem ao tempo, mas não são o tempo em si — como se confundíssemos a fita métrica com a realidade que ela mede.

O que é, então, o tempo? O mais cambiante e escorregadio dos conceitos engendrados pelo humano. Sua natureza polissêmica não é casual, é seu próprio caráter. Contrariando certo senso comum, talvez percebamos que o mais importante não é falar o que se sabe, mas seu anverso, os pontos cegos de nossa cognição.

A curadoria de Tempo como Verbo foi concebida como uma fábula na qual os personagens nascem antes da trama e, desorientados, esperam os acontecimentos (ou as fatalidades) levá-los delicadamente pela mão. Então vem o Locus, o curioso lugar onde ocorre a exposição Tempo como Verbo: uma sala virtual originada da desobrigação de se apegar às regras que ordenam o nosso mundo fenomênico. Por que reproduzir, em uma galeria virtual, um cubo branco — ou qualquer outra espécie de espaço? Por que não um espaço desprovido da conformação da gravidade? Um ambiente que resguarde em sua arquitetura paradoxos visuais, zonas ambíguas de profundidade, no qual o próprio lugar da ocorrência deste Tempo como Verbo seja, antes de tudo, uma pergunta. Um espectador atento às referências localizará, na galeria, ecos dos paradoxos das gravuras de Escher, das masmorras de Piranesi e dos jogos visuais, como o notório pato-coelho, para criar um espaço expositivo intermediário, que se desloca na desconfiança de nossos sentidos, interzona entre o real e o onírico.

Depois, seu nome: Tempo como Verbo. Se cremos nesta equivalência do título, no qual tempo iguala verbo, como gêmeos ou duplos, temos um porto seguro semântico. Mimetizamos o dicionário e, na sequência, nos apegamos a uma série de possibilidades. O tempo expressa ação, estado ou mudança de estado ou, talvez, todos os verbos possíveis tornados vivos. Eu corro, carrego, reclamo, morro, etc.; assim como uma entidade para flexão do tempo (mise en abyme), eu fui, sou e seria! Cabe-lhe, também, a expressão do pensamento por meio de palavras escritas ou faladas: a articulação precisa entre o sentido-pensado e o dito enquanto linguagem.

Abordamos, agora, as partes desta fábula do tempo, mas, menos do que sua narrativa ou personagens, focamos nos princípios que a movem. André Severo traz duas obras, ambas desprovidas de nominação e marcadas pela desolação: a primeira, um vídeo no qual um farol é fustigado por assustadoras ondas no meio da noite. O outro vídeo mostra uma casa de madeira tomada por um incêndio. Ambas obras parecem constituir uma tragédia, um conjunto de acontecimentos desagregadores sobre os quais criamos hipóteses. De quem é a casa queimada? Quem enfrenta o isolamento envolto naquele revolto mar? Sob certa vertigem, essas perguntas surgem como ato reflexo. Mas, então, outra camada de questionamentos reveste nossa consciência: que fogo é aquele que se propaga, mas não consome? Que mar é aquele que parece condenado a reproduzir fragmentos, repetidamente, como se fossem módulos de um conjunto fixo? Intuitivamente vamos construindo um tempo de outra realidade, que parece se dobrar sobre si mesmo — como se houvesse um presente que não é aquele no qual nos deslocamos, mas outro, como um labirinto no qual voltamos sempre a um mesmo ponto. André Severo cria um paradoxo, como se a trindade do tempo (passado-presente-futuro) se tornasse uma fita de Moebius, alimentando infinitamente o dentro (presente) pelo combustível do fora (passado-futuro) sem que existam de fato.

A desconfiança sobre o estatuto da realidade não arrefece em Invisível, de Dirnei Prates. Diante de paisagens da zona litorânea de Santa Catarina, Prates nos revela um périplo que não envolve apenas essa limitada deambulação, mas contém um inventário de si, em um processo de luto familiar. Ao tentar tornar discurso aquilo que se esvazia ao ser articulado em palavras, Prates convida o invisível, não apenas como metáfora, mas também como dispositivo técnico alegórico. O artista recorre a um filtro infravermelho, capaz de captar um espectro da luz além da capacidade humana, e traduzi-lo em imagens plúmbeas, desprovidas de contrastes. Há, nas fotos de Invisível, uma beleza ambígua, como se, durante o torpor ou na recuperação dos sentidos após um choque, a consciência aprendesse algo raro e especial, mas o corpo se desassociasse dessa percepção. A série é uma espécie de réquiem visual, mas também uma ponderação metafísica sobre a matéria animada chamada corpo. As temporalidades que esta obra opera são duas, aparentemente contraditórias: a primeira é a dos ciclos — seja da vida humana, das estações ou mesmo do movimento da areia da praia sob o vento —, a outra é a da eternidade que ampara todos os acontecimentos deste mundo, o tempo mítico e não conspurcável.

Agora traçamos uma quarta parede em relação à obra de Prates e lentamente a atravessamos, em direção à poética de Virgínia di Lauro. Temos um hábito social que nos obriga a um conhecimento modesto de nosso próprio corpo. Mas este segue sendo, em essência, um mistério. Desconhecemos os mecanismos de nossos plexos, as trilhas de nosso aparelho psíquico e até a forma de nosso corpo sensorial (não este que vemos mediado por espelhos ou fotografias). As obras de Virgínia di Lauro percorrem um périplo neste território inóspito, como se a artista desse liberdade a seu corpo para ser o que deseja e seu inconsciente fosse um demiurgo em possessão das metamorfoses de sua carne. A arena destes acontecimentos são as dobras, acolhedoras reentrâncias do sonho. Desde a antiguidade, os sonhos são oráculos (ilusórios ou premonitórios), mas também porta vozes do esquecimento — o grande enredo do sonhar permanece quase todo submerso. As imagens que suas fotos revelam são partes de um jogo no qual di Lauro atravessa o palácio da memória para trazer à lembrança o corpo hiper-real — pois une seu corpo físico, seu corpo sensorial e o corpo mitológico, em uma condensação do tempo onírico, reconstruído na linha cronológica de nossa fala ao contar um sonho.

Um instante congelado é, com frequência, o fator operante e núcleo das esculturas de Túlio Pinto. Em peças como Cumplicidade #14 e Land Line #9, matérias e qualidades contrastantes, vidro e aço, fragilidade e robustez, são colocadas em seu limite, como um arco tensionado em mira. Um equilíbrio provisório, como se dois lutadores cansados buscassem um clinch para restaurar as forças. Em suas esculturas, as coisas matéricas — este mundo ao qual nos apegamos — são sinalizadores, indicativos deste instante que se imobiliza. Um presente que parece estendido, um duelo que é sempre o prólogo de um devir, de uma promessa contínua de desabamento que ocorre não nas obras, mas instaura-se na imaginação do espectador. 

Nadir Escaleno joga com esses elementos ao trazer o registro de uma performance na qual uma lâmina de vidro é apoiada no chão e escorada, ereta, aos pés do performer que a sustenta, enlaçada por uma corda que tem, em uma de suas extremidades, um macacão tramado com corda azul, trajado por Diego Passos e, na outra, uma pedra servindo como lastro deste sistema. Há um conjunto de transubstanciações ocorrendo em fluxo contínuo, onde surge um duplo transfigurado: o vidro, em sua geometria, escala e imponência, evoca um corpo translúcido, um estranho fantasma diante do corpo caído de Passos; a pedra, como um contraponto do coração; o fio tensionado, uma zona transcendente. A região do tórax da qual sai o fio e à qual a pedra se opõe é associada ao terceiro chakra e, em diversas tradições, indica a energia e a cura. Então, este instante estancado, este tempo que é promessa, conjura forças de transformação onde o humano e a matéria inerte atuam em um presente agudo e latente, mas também evoca forças recalcitrantes, que deslizam do tempo e se escoram na eternidade.

Bruno Borne, em Escudo de Perseu, evoca o instante único, miraculoso, da petrificação da Górgona sob a ação de seu próprio olhar devastador, refletido no escudo. Há uma vertigem, que só nos cabe a imaginação para acessar, da carne tornada rocha, do tempo humano preso à imobilidade do núcleo mineral. Borne também conjuga outra temporalidade, mais exótica, ao gerar uma projeção de luz branca que se expande sobre um espelho convexo circular, quase uma lunação, síncrona ao som de um sino, ao longo de um minuto, fazendo com que o observador conjugue ambos como uma entidade única, indivisível. A luz, como sabemos, é usada como medida cósmica, limite da velocidade, e demarca a imensidão do universo. Neste processo sinestésico, um sentido obscuro e esquecido é convocado: o da percepção do tempo, sem depender de dispositivos ou referências externas, que usamos para quantificar o tempo que passou. E, ao observar repetidamente o Escudo de Perseu, começamos a introjetar a luz, o som, e o tempo como uma trindade.

Embora a ação que dá origem a Trindade do Tempo, da Ío, seja simples, a obra opera dimensões de tempo e desejo complexas: de um pequeno barco de pesca artesanal, saindo de Garopaba, em Santa Catarina, três anéis são jogados ao mar. Esses anéis representam o Tempo: passado, presente e futuro. Sua forma circular remete aos ciclos temporais, à infinitude e ao movimento das marés. Os anéis do passado e do futuro são em ouro, remetendo à duração, à ideia de uma herança que se preserva, um tesouro que se guarda, nostalgia e idealização, mas também algo que se constrói, com a esperança de que irá durar. O anel que representa o presente, no entanto, é feito de prata escurecida e se refere ao nosso contato com o real. Sua perda é menos um potlatch, oferenda ou eco poético de Ouro no Sena, de Yves Klein, e mais um desejo pela contingência de seus destinos. A obra tem duas extremidades temporais: a primeira é recorrente aos artistas que sempre tiveram, em suas infâncias, influenciados pela literatura de aventuras, a fantasia de encontrar tesouros trazidos pelas ondas. A segunda ocupa outro espectro, o fascínio com a cobiça, presente em diversas lendas locais. A performance foi privada, com apenas o barqueiro Mestre Kaiko por testemunha, mas Trindade do Tempo existe no futuro pois, ao publicizar o trabalho na mídia e redes sociais, esta passa a construir no espectador a possibilidade de encontrar as joias. Talvez estes anéis se percam no ciclo das marés, afundem na areia irreversivelmente, se degradem ou sejam incorporados por um animal, mas eles existem como imaginação, desejo de que alguém consiga recuperá-los. 

Por fim, uma figura loira, esguia, acenando para seu séquito com uma faixa cujas cores representam, na bandeira do Brasil, a riqueza de seu ouro e de suas florestas, mas com as palavras Miss Take estampadas, a obra de Andressa Cantergiani é um trocadilho, epígrafe de nosso tempo: erro. Lição beckettiana da excelência do fracasso, errar é preciso. Nesta obra, a artista apoia-se em precários sapatos de salto feitos em gelo, cujo processo de derretimento torna inevitável sua queda. A performance se estabelece em contrastes: a elegância e o ridículo, o equilíbrio e o tombo; a beleza e a crueldade arbitrária dos padrões estéticos impostos. A performance tem algo de triste, porém cômico, pois, por alguma razão evolutiva, nos diverte a schadenfreude.

As obras desta exposição agem como curiosos instrumentos de cartografia que delineiam aspectos do tempo, suas bordas e superfícies. Como se estes personagens, aos quais nos referimos no início do texto, desobrigados de sê-lo, se tornassem verbetes, como o princípio de um dicionário de tempos imaginários.

Laura Cattani e Munir Klamt
Idealizadores do projeto